BeerWeek entrevista - Análise sobre concorrência e estratégias de negócio
Um grande desafio para os pequenos empreendedores é lidar com a concorrência em um mercado competitivo.
Por isso, estratégias de negócio, foco e uma gestão assertiva são pontos chave para aqueles que buscam fortalecer sua marca e até mesmo crescer em momentos conturbados.
BeerWeek entrevista: insights sobre concorrência no mercado cervejeiro
A BeerWeek traz hoje uma entrevista com Luciano Pagliosa, Diretor Comercial da Beerpass. Pagliosa analisa como o mercado está se moldando dentro do contexto atual, especialmente quando tratamos sobre concorrência e estratégias de negócios.
1. Como você avalia o cenário atual diante dos recentes acontecimentos (reestruturação da Saint Bier, recuperação judicial do grupo Petrópolis, possível fechamento da Anchor Brewing)?
Luciano: Primeiro, eu acredito que existe uma reorganização de mercado, não só no mercado cervejeiro, mas em todos. Vimos movimentações de grandes indústrias, citando uma como exemplo, o caso da Ford que saiu do Brasil.
Obviamente que isso chegaria no mercado cervejeiro em algum momento. E não tem como não falar sobre a pandemia, o setor foi muito afetado e agora há um período de recuperação.
Aliado a isso, você tem outros cenários: Guerra na Ucrânia, instabilidade e inflação nos Estados Unidos que é uma coisa que eles não enfrentam há muito tempo.
Aqui no Brasil, além dessa questão da pandemia, houve a própria instabilidade política, principalmente no segundo semestre de 2022.
Dentro da Beerpass notamos isso, na maneira como os clientes chegavam, você via um certo clima de incerteza. Mas, vale ressaltar que são situações inevitáveis.
O mercado trabalha dessa forma, a gente tem momentos de crescimento, de estabilidade, já outros de repaginação, são ciclos.
2. Quais os principais desafios que as cervejarias artesanais enfrentam ao competir com os grandes players do mercado?
Luciano: Na verdade, o que acontece no mercado cervejeiro é o que acontece em qualquer mercado.
Quando você compete com grandes players eles têm facilidades e vantagens como financiamentos, juros menores, preços melhores de insumos, estrutura etc.
Além disso, por produzir em grande escala eles conseguem ter uma margem melhor. Basicamente é o benefício da escala.
Então eu vejo que o grande desafio que uma cervejaria menor tem em relação a um projeto grande, é a margem.
E aí vem uma grande questão: na minha visão, o que pega é que a cervejaria artesanal tem que tomar ciência que ela não está aqui para, necessariamente, competir com Ambev e a Heineken.
As pessoas podem pensar que, por ser cerveja, é o mesmo jogo, mas nem sempre funciona assim.
Se o pequeno for tentar entrar no mesmo mercado, usando as mesmas estratégias, para competir diretamente com os grandes, ele não vai conseguir.
O concorrente tem que ser outro, você precisa desenvolver um novo mercado para você.
E aí sim existem muitas oportunidades a serem exploradas e que conversam com os propósitos das cervejarias artesanais, que é justamente levar sabores, aromas e experiências diferentes.
3. Quais estratégias você acredita que as cervejarias artesanais podem adotar para se destacar?
Luciano: Eu acho que a cerveja artesanal tem que adotar estratégias que seriam as desvantagens desses outros grandes players.
Primeiro, que eles não atendem todos os lugares do Brasil. Eu mesmo já tive bar e não conseguia comprar chopp de cervejarias grandes porque elas não conseguiam atender a minha demanda.
Ou seja, existe um mercado para quem quer se desenvolver com uma cerveja diferente.
Segundo que o seu produto não é o mesmo produto que o deles, você vai ter uma cerveja diferenciada. Então, realmente, investir em receitas, em criatividade, em estilos que as grandes não vendem.
Terceiro, que a cervejaria artesanal tem muito potencial em se conectar com a comunidade local.
Nesse sentido, um caminho é fortalecer a atuação nas regiões onde ela está. Até porque um “trunfo” que a cervejaria artesanal tem é o atendimento personalizado. Ela tem a possibilidade de atender melhor os pontos de venda e os bares.
Há também a identificação com o público. As artesanais conseguem criar um conceito da marca para atrair um público específico. Já as grandes não têm muito esse foco.
Então eu vejo que a cerveja artesanal pode trabalhar mais o conceito, trabalhar os rótulos. Por exemplo, a cervejaria Phare de Garopaba que criou rótulos homenageando as praias da região.
Essa estratégia é muito interessante, seja para a região, seja para algum outro ponto em comum que se relaciona com o público. Então são várias oportunidades.
Para o pequeno empreendedor conseguir competir, ele tem que pensar nessa personalização do atendimento, se aproximar mais do cliente, criar um conceito, ou seja, pensar um pouco mais em marca.
E claro, aproveitar que a flexibilidade de fazer estilos diferentes que o consumidor não vai encontrar em outros lugares.
4. A tendência dos consumidores buscarem por produtos locais e artesanais pode ser uma vantagem para as cervejarias menores. Como elas podem capitalizar isso?
Luciano: Entendendo esse público que procura um produto local, artesanal, um atendimento personalizado, um ambiente diferente, que gostam de provar estilos diferentes.
Então sim, existe essa demanda que não vai ser atendida pela grande indústria.
A gente vê cervejarias artesanais muito bem casadas com locais turísticos. Por exemplo, agora no inverno, se eu vou para as regiões de serra tem cervejarias que desenham espaços e uma marca que combina com o ambiente.
Elas acabam ficando conhecidas por conseguirem aliar essa experiência.
Mas, uma coisa que eu queria realmente desmistificar é que não é porque você não vai perseguir a mesma estratégia de uma indústria grande que você não vai ser grande, que você vai ficar no mesmo local ou lugar.
Não, você pode ser grande, você pode montar uma unidade sua, com uma estratégia que você defende, com a sua marca e aquilo dar muito certo e você expandir para outros lugares.
Há outras pessoas que querem aquela mesma experiência, ou seja, é possível crescer, mas fugir de canais que já estão saturados.
E até um ponto que complementa a primeira pergunta, quando a gente fala do desafio da escala.
Você imagina como que deve ser para alguém que produz em menor escala, que é o caso de um cervejeiro artesanal, tentar entrar em uma rede varejista.
Essa rede, que já vende Ambev, Heineken, Saint Bier e várias outras, vai pensar “o que você vai fazer para mim para que eu venda o seu rótulo?”
Nisso, provavelmente, o empreendedor vai baixar ainda mais o preço, sendo que ele já é pequeno e já tem dificuldade de competir. Então ele vai tentar uma entrada nessa rede e vai diminuir a competitividade dele.
Eu acho que esse é o principal ponto. Inclusive, é interessante notar que as próprias cervejarias grandes também querem aproveitar desse público que hoje elas veem que não atendem.
A própria Ambev não parou na Brahma, ela comprou a Patagônia, a Colorado, como uma tentativa de entrar um pouco mais no artesanal.
E por quê? Porque elas percebem que existe aí uma demanda. Então eu acho que é o momento para a cervejaria artesanal se tornar competitiva.
5. Além de afetar as cervejarias artesanais, como as movimentações do mercado afetam bares e restaurantes?
Luciano: Nesse caso, se houver uma reorganização do setor, também vai afetar o bar. Mas, no fim das contas, é o mesmo que acontece com as cervejarias.
Os bares que vão superar momentos mais complicados do mercado são aqueles que vão fazer diferente, que vão caprichar mais porque o cliente pode estar mais escasso.
Ao mesmo tempo, o cenário abre mais possibilidades de negociações para os pontos de venda, porque eu sou o ator que vai escoar o produto das indústrias.
Uma das principais vantagens é o poder de barganha que ele ganha em relação à cervejaria, principalmente se ele é um bar que tem volume de venda.
Mas, caso isso não esteja acontecendo, é o momento para ele estudar uma repaginação. Fazer diferente, conquistar mais o cliente.
Investir na experiência, melhorar o conceito, investir mais em marketing, otimizar custos, investir em tecnologia, enfim, procurar soluções de autoatendimento etc.
São todas formas de conseguir se manter e passar por períodos mais complexos que acabam esbarrando nele.
6. De que forma a tecnologia pode ser uma vantagem competitiva tanto para as cervejarias artesanais, quanto para os donos de bares e brewpubs?
Luciano: Eu diria que a tecnologia está deixando de ser uma vantagem competitiva para se tornar peça fundamental.
E a gente conhece o mercado e vê que muitos estabelecimentos ainda não fazem o melhor uso dela.
Então eu acho que para quem ainda não trabalha com a tecnologia, é uma oportunidade de começar a trabalhar.
Você tem várias formas, por exemplo, soluções que vão fazer com que você gerencie melhor os seus recursos. Dessa forma é possível reduzir custos.
Também há ferramentas que automatizam processos então, autoatendimento, autosserviço, automação de pedidos, totens.
São tecnologias que já estão há algum tempo no mercado, já estão validadas, funcionam e muitas redes usam e trabalham com esses conceitos.
É algo que realmente não é só uma tendência, já é uma realidade, por isso que ela deixa de ser um “diferencial” para se tornar uma necessidade.
Dificilmente você vai conseguir competir se você não fizer uso assertivo da tecnologia.
7. Quais as principais lições que as cervejarias e bares podem aprender para garantir sua relevância e sucesso a longo prazo?
Luciano: O que a gente viu de clientes nossos que inclusive passaram por períodos de pandemia e até cresceram, é que eles tiveram muito cuidado com a marca.
Isso não significa necessariamente investir muito dinheiro, mas é simplesmente você ter uma ideia clara do que é o seu negócio, o que você produz, qual o cliente você quer atingir e não perder o foco.
Assim, se eu sou uma cervejaria, que eu tenho um produto de qualidade, o meu mercado é assertivo e está disposto a pagar pela minha cerveja ou serviço, é preciso muita cautela para não se perder.
Então de repente entrar em um supermercado (que é o exemplo de antes), brigar por preço, baixar valores e no fim perder faturamento.
Foram erros que a gente percebeu que muitas cervejarias cometeram, ou então, outra situação: entrar em uma briga de preço em bares, competir com outras cervejarias, sendo que o seu foco é outro.
Do mesmo jeito, cervejarias que tem uma lógica de trabalhar com mais venda em volume e preços mais competitivos, se perderem e começarem a cobrar caro. Essa falta de foco é uma coisa que prejudica.
Não significa que você não vá inovar, que você não vá fazer nada diferente. Mas esse diferente tem que ser eficiente, precisa automatizar, escalar, expandir.
Além disso, tem a questão da otimização de custos. Analisar o que está trazendo custo-benefício, se existem ferramentas no mercado que podem te ajudar a reduzir os custos e mesmo assim manter a qualidade.
Uma coisa que ficou bem clara é a gestão. Eu sinto que antes da pandemia, existia uma certa ideia de operar como se o mundo fosse uma eterna estabilidade, ou seja, sempre no máximo.
Aquela ideia de que se você não pegar um financiamento para crescer você está cometendo um erro. Mas esse pensamento mudou um pouco.
O que aconteceu quando veio a pandemia? Quem estava operando sem caixa, completamente endividado, não conseguiu sobreviver, não tinha uma reserva.
As empresas se acostumaram a tratar a dívida como algo normal, mas não é. Então eu acredito que os aprendizados são justamente esses: foco no negócio, atenção aos custos e processos otimizados.
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