#BeerWeek - Tendências do consumidor e o futuro do mercado
Desafios e interferências no mercado
Encerrando a trilha de artigos da BeerWeek com chave de ouro, vamos
entender o comportamento dos
consumidores, as tendências e perspectivas de mercado.
Para isso conversamos com Rodrigo de Mattos, Analista Sênior de Pesquisa da Euromonitor.
A Euromonitor é provedora líder mundial de informação de negócios global, análise de mercado e informações de consumo. Rodrigo nos deu percepções valiosas sobre como se posicionar em um mercado que passa por diversas mudanças.
Percepções e consumo
O mercado cervejeiro vive momentos relevantes. Tanto em questões de movimentações de grandes e pequenas empresas, como na tendência dos consumidores a procura de bebidas de melhor qualidade. As circunstâncias chamam atenção de especialistas.
Na avaliação de Rodrigo não há necessariamente uma “crise” no setor. Ainda assim, é importante ter um entendimento aprofundado do que aconteceu com o grupo Petrópolis, com a Backer e também com a reestruturação da Saint Bier para que se entenda das movimentações.
Mas, para além desses acontecimentos, ele avalia fatores externos que influenciam diretamente na cadeia cervejeira.
“Existem outros fatores que podem colocar a categoria em risco, não no sentido de consumo, mas de cadeia. Como por exemplo a Guerra da Ucrânia e Rússia, que são grandes produtores e exportadores de malte e cevada”, explica.
Rodrigo contextualiza que houve uma tentativa de compensar a falta dos grãos da Rússia e da Ucrânia, através da produção no Brasil, na Argentina e Uruguai. Entretanto, questões climáticas atrapalharam esse processo.
“Devido às secas e a estiagem, que tanto a Argentina quanto o Uruguai passaram, os preços de commodities, principalmente da cevada, aumentaram, o que acabou elevando os preços de cervejas em todos os lugares.”
Apesar de não avaliar como uma crise no sentido de consumo, essas situações refletem na necessidade de movimentação do setor.
“A categoria terá que ser mais inovadora, buscar novos fornecedores, entender a questão logística de entrega, mas também a logística de fornecedores, onde buscar materiais e insumos para levar a cerveja para o consumidor final”, explica Rodrigo.
Quando se fala em previsões de acontecimentos, Rodrigo conta que seria difícil prever certas situações, como por exemplo, a guerra. Já no caso de questões climáticas, há uma certa previsão cíclica, entretanto, as consequências delas na cadeia de produção ainda são incertas.
“Estamos em um momento de interrogação principalmente por causa do El Nino, das altas temperaturas na Europa, das possíveis altas temperaturas que teremos na América do Sul no nosso verão e o quanto isso vai impactar na cadeia produtiva daqui pra frente”, diz Rodrigo.
As pessoas estão, para além do produto, procurando experiência. Dessa forma, atrelar isso ao produto é o mais importante nesse momento.
“Está muito claro hoje que o consumidor não quer beber só mais uma cerveja, não quer ficar naquele consumo tradicional ou de marcas, ele está sempre buscando novidade, ele quer experimentar.”
Para ele, as estratégias de trazer um portfólio diferenciado, produtos únicos e interessantes para o consumidor, vai inspirar ele a experimentar e explorar mais cervejas e até elevar a sua qualidade de consumo.
“Então esse trabalho que foi iniciado pelas cervejarias artesanais lá atrás e depois a Ambev e a Heineken trouxeram isso pro seu portfólio, ainda é uma regra muito válida”, explica Rodrigo.
As cervejarias artesanais ocupam cerca de 2,5% do volume total de consumo. Embora seja difícil ela ganhar espaço frente às grandes, o seu consumo vem crescendo, assim como o número de cervejarias.
Rodrigo também explica que o público possui uma percepção clara sobre as artesanais.
“As cervejarias artesanais têm uma percepção de qualidade. Então para aquele consumidor, principalmente que gosta de cerveja, ela vai ser muito mais gostosa, mais complexa, principalmente em aromas e sabores.”
Mas, há dificuldades a serem trabalhadas. Como por exemplo, inevitavelmente houve um susto ao consumidor depois do caso Backer, o que colocou em xeque a credibilidade, principalmente relacionada à segurança alimentar.
Além disso, parece que as pequenas cervejarias ficam cada vez mais restritas a municípios. Ele reforça que essa não é, necessariamente, uma estratégia errada, mas que cria um mercado de nicho.
“Elas não conseguem desenvolver uma rentabilidade tão fácil. Então durante a pandemia, onde houve problemas de fornecimento de embalagens e também aumento do preço da cevada, acaba ficando muito custoso. E se é custoso para as grandes, é muito mais para as pequenas”, diz Rodrigo.
Apesar desses fatores de risco, há também fatores de oportunidade rondando o mercado.
“No momento de melhora econômico, por exemplo, dentro do Brasil onde já conseguimos ver um processo deflacionário e a diminuição do desemprego, são bons indicativos para cervejarias artesanais. Porque quanto mais renda disponível, mais o consumidor brasileiro vai gastar com produtos de maior indulgência, como as cervejas artesanais.”
Segundo Rodrigo, é o momento de tirar lições importantes, como o fato de a cervejaria artesanal entender de forma aprofundada sua cadeia logística e tentar baratear sem perder a qualidade, mas para buscar ganho de receita e de giro.
A busca pelo paladar do consumidor
Cada vez mais os consumidores procuram diferentes experiências e bebidas de melhor qualidade. Uma prova disso é que marcas premium e super premium têm impulsionado a receita de grandes indústrias do mercado.
Nesta quinta-feira, 3, a Ambev divulgou seus resultados do segundo trimestre de 2023. A companhia revelou uma queda de 15% no lucro líquido em relação ao segundo trimestre de 2022 e também uma queda nos volumes vendidos. Entretanto, houve um aumento da receita líquida.
Segundo a Ambev, as vendas das marcas premium e super premium aumentaram em 35%, o que impulsionou esse aumento da receita, uma vez que agregou valor por hectolitro vendido.
A companhia afirma que os líderes de venda deste segmento foram a Original, Spaten, Corona e Stella Artois, o que fez com que a participação da Ambev no mercado aumentasse.
“Apesar do desempenho da indústria, nossa participação de mercado cresceu sequencialmente, de acordo com nossas estimativas. O investimento consistente por trás de nossas marcas continuou a entregar resultados significativos no nosso segmento super premium e premium”, diz a Ambev no relatório divulgado.
A tendência por marcas premium e bebidas de qualidade, refletem em como os negócios cervejeiros vem se posicionando e como os consumidores se comportam na busca por cervejas diferenciadas.
Para Rodrigo de Mattos, as cervejarias artesanais acabam disputando pelo mesmo consumidor que as grandes indústrias, mas em momentos diferentes.
“Está muito claro que o consumidor não é mais fiel a marcas ou empresas, mas sim a ocasiões. Por exemplo, se você vai em uma ‘cervejada’ você não se importa com a cerveja que está sendo servida, agora, se você vai a um bar ou restaurante, onde a ocasião está muito mais ligada a experiências, você acaba querendo consumir uma premium ou uma cerveja artesanal”, explica.
Ele destaca que nesses momentos, o consumidor busca por qualidade, aprecia nuances de sabor e valoriza a harmonização com o prato que irá consumir.
“Ou seja, é o mesmo consumidor, mas dependendo de onde ele está, o que ele está fazendo, ele vai buscar coisas diferentes para a cerveja dele.”
Dessa forma, o analista afirma que as cervejarias artesanais conseguem ter mais competitividade se elas souberem onde brigar com as grandes e ter o entendimento de qual praça elas devem buscar de maneira mais precisa e atenciosa.
“Se você tentar vender em um atacadão, por exemplo, é bem provável que não terá a mesma aderência do que a venda em um empório, online ou em um bar que une a experiência e que traz propostas diferentes.”
Giro, logística e onde vender: elementos para se sobressair
As cervejarias artesanais enfrentam o desafio de inovar e se diferenciar para atrair um público em busca de experiências únicas, enquanto a logística e a compreensão das preferências das novas gerações são fundamentais para a sobrevivência do setor.
Segundo Rodrigo, o mercado de bebidas no Brasil é construído no bar ou restaurante, ou seja, a marca será construída fora do lar, onde os consumidores estarão dispostos a experimentar mais, a buscar experiências diferentes.
“Olhar para o bar como ponto de venda, como escoação de produto é essencial. Além disso, o bar tende a ter margens melhores do que o varejo, então tende a ter um lucro melhor.”
Ele também reforça a importância de as cervejarias artesanais terem conhecimento de sua cadeia logística, de quem são os fornecedores, quais são os preços e o giro necessário para comprar e escoar o produto.
“No Brasil o giro sempre foi um problema, não só nas cervejarias. Em geral as empresas pensam em comprar, produzir e daí em vender. Mas na verdade eu preciso estar vendendo para estar comprando. Então é realmente no giro de mercado que tem que ter muita atenção.”
Rodrigo explica que é importante pensar na margem que o produto consegue oferecer, ou seja, não pensar apenas em receita, mas no lucro real.
“É importante entender que o lucro está ali para um reinvestimento, para um processo de crescimento, de busca de novas praças, de expansão exponencial. Porque a gente sabe que as grandes cervejarias estão atentas ao mundo artesanal, então assim, é complexo, mas estar um passo à frente das grandes vai ser fundamental.”
Ele afirma que a margem também é importante para se ter uma segurança de manter o negócio rodando mesmo em ciclos ruins do mercado.
Perspectivas para o futuro, como andará o setor daqui para frente?
Com relação às perspectivas do mercado, Rodrigo enfatiza que o ano de 2023 pode ainda ser um cenário desafiador para as cervejarias. Lidar com o futuro requer definição de estratégias. Apesar do processo deflacionário, é importante considerar os altos juros e o endividamento da população como fatores relevantes.
Essas questões precisam ser cuidadosamente avaliadas para se antecipar às possíveis adversidades do setor.
“A gente vê um processo deflacionário, mas será que isso indica aumento de consumo? Ainda estamos com juros altos, há um nível de endividamento da população. Já para 2024 e 2025 talvez haja uma reversão deste cenário. Quando comparamos o Brasil com o resto do mundo parece que estamos à frente da curva na recuperação”
Essa análise de Rodrigo vem a partir do aumento do PIB brasileiro, a independência energética do país, e a recente elevação da nota de crédito brasileira pela Fitch.
“O Brasil está se encaminhando para boas perspectivas e isso pode
ajudar muito o mercado cervejeiro. Principalmente o mercado cervejeiro artesanal e de maior qualidade, pois isso vai chegar no consumidor com otimismo, com maior poder de compra e daí ele vai querer experimentar.”
Ele reforça que estamos em um processo de evolução do paladar e agora falta o consumidor, de fato, consumir nesse novo nível.
“O que é necessário ainda é a inovação, como falei, as pessoas estão ávidas por experimentar coisas novas, novos produtos. Trazer isso vai ser muito importante, senão o consumidor vai cansar, porque ele tem cansado muito rápido de tudo.”
Estar atento ao comportamento das novas gerações também é fundamental. O público mais jovem vem com suas tendências e isso deve ser levado em consideração.
“A gente vê que os mais jovens estão consumindo menos bebidas alcoólicas, como o mercado cervejeiro vai se adaptar a esse cenário? Talvez uma cerveja com menor teor alcoólico, com outras propostas de sabor. Os valores morais também são importantes para eles, então questões acentuadas de sustentabilidade podem acabar ganhando destaque”, relata.
Para garantir a longevidade do setor, é essencial que a indústria cervejeira esteja sempre inovando e compreendendo as demandas da próxima geração, que se mostra única e diferente das anteriores. Rodrigo ressalta que essa compreensão é crucial para o futuro promissor do segmento.